Jerônimo Lima
Diretor do Instituto Brasileiro de Competição Analítica (IBCA)
jeronimo@ibca.net.br
Emir Redaelli
Diretor do Instituto Brasileiro de Competição Analítica (IBCA)
emir@ibca.net.br
“Após assimilar a ideia de que não se pode provar nada em termos absolutos, a vida gira mais em torno de dificuldades, riscos e escolhas. Em um mundo sem verdades demonstráveis, o único meio de melhorar as probabilidades que restam é o conhecimento e a compreensão.”
Robert Rubin
In a uncertain world: Tough choices from Wall Street to Washington, 2003
Nesse fim de semana fizemos uma nova limpeza em nossa biblioteca, com o objetivo de novamente doar livros para alguma pequena faculdade, na qual os alunos mais carentes possam aproveitar melhor a leitura e angariar conhecimentos para sua vida pessoal e profissional.
Com uma caneca de café na mão e pensando acerca do que é administrar, analisamos aqueles inúmeros títulos nas nossas estantes. Quais doaríamos? Quando chegou na hora de decidir sobre quais livros de negócios deveríamos nos desfazer, a primeira ideia que passou pela nossa cabeça foi: quase todos!
Nós entendemos que gestores sob pressão para entregar receitas e lucros cada vez mais altos sejam atraídos por livros de negócios que alegam revelar os segredos do sucesso. Até mesmo alguns executivos bem conhecidos buscam best-sellers que os ajudem.
Ora, sabemos que eles são pessoas inteligentes, e não imaginamos que pensem seriamente que há algum livro que tenha as respostas para essas preocupações. As ideias desses livros provavelmente são úteis para muitas empresas em diversas circunstâncias, mas não há razões para acreditar que sejam suficientes para resolver todos os problemas que elas enfrentam enquanto tentam
manter vantagem competitiva em seu setor de atuação, com desafios de avanços na tecnologia e inovações para superar a concorrência.
Infelizmente para qualquer gestor, não há uma fórmula mágica, meios de decifrar o código secreto, nenhum gênio na garrafa que guarda os segredos do sucesso. A resposta para a pergunta “O que realmente funciona em Administração?” (ou, mais especificamente, por que é tão difícil entender o alto desempenho?), é simples: ‘nada’ realmente funciona, pelo menos, não o tempo todo. Essa não é a natureza do mundo dos negócios. Mas essa percepção, embora, precisa, não é animadora. Administrar significa agir, ‘fazer coisas’. Então, o que pode ser feito? O primeiro passo é deixar de lado os delírios que deturpam nossos pensamentos sobre o desempenho das empresas. Reconhecer que histórias inspiradoras são confortantes, mas têm poder preditivo quase nulo. Em vez disso, os gestores devem entender que o sucesso é relativo, não absoluto, e que a vantagem competitiva requer correr riscos calculados; aceitar que poucas empresas alcançam o sucesso duradouro; e que o sucesso das que conseguem talvez seja mais bem entendido como uma junção de vários sucessos de curto prazo, e não como uma busca consciente da grandeza permanente. Também é preciso admitir que a margem entre o sucesso e o fracasso costuma ser muito estreita, e nunca tão definida e duradoura como parece à distância. Assim, reconhecer que boas decisões nem sempre levam a resultados favoráveis, e que resultados desfavoráveis nem sempre são frutos de erros e, portanto, resistir à tendência natural de fazer atribuições apenas com base em resultados. E, finalmente, aceitar que a sorte tem um papel no sucesso das empresas. Organizações de sucesso não são apenas ‘felizardas’, pois o alto desempenho não acontece por acaso, mas, às vezes, a sorte tem um papel fundamental.
Muitos experts (hoje em dia essa palavra dá arrepios!) – gurus, consultores, professores e jornalistas – que estão ao nosso redor têm delírios que permeiam o pensamento popular nos negócios. O que um gestor sábio deve fazer é focar os elementos que impulsionam o desempenho da empresa enquanto reconhece a incerteza fundamental do núcleo do mundo dos negócios.
Na verdade, apesar de todos os segredos e fórmulas e de todos os líderes autoproclamados do pensamento, o sucesso nos negócios é algo ilusório. É provavelmente ‘mais’ ilusório do que nunca, com o crescente aumento da competição global e a aceleração das mudanças tecnológicas. Isso pode explicar por que somos atraídos por promessas revolucionárias, segredos e soluções rápidas: circunstâncias desesperadoras nos fazem procurar curas milagrosas. Não é à toa que nunca um administrador ganhou um Prêmio Nobel!
Do que aprendemos com a literatura recomendada ao final desse ensaio, os delírios empresariais são:
- O efeito halo: A tendência de olhar o desempenho geral de uma empresa e tirar conclusões sobre a sua cultura, liderança, filosofia etc. Na verdade, muitas coisas que costumamos afirmar que determinam o desempenho de uma empresa são simples conclusões baseadas em seu desempenho passado.
- O delírio da correlação e da causalidade: Dois fatos podem estar correlacionados, mas podemos não saber qual deles causa o outro.
- O delírio das explicações únicas: Muitos estudos mostram que um fator específico leva a um melhor desempenho. Mas como muitos desses fatores estão fortemente correlacionados, o efeito de cada um costuma ser menos do que se acredita.
- O delírio de ligar pontos vencedores: Se escolhermos um número de empresas bem-sucedidas e buscarmos o que elas têm em comum, nunca isolaremos as razões de seu sucesso, porque não temos como compará-las com empresas malsucedidas.
- O delírio da pesquisa rigorosa: Se os dados não forem de qualidade, não importa quantos tenhamos coletado ou quão sofisticados pareçam ser os nossos métodos de pesquisa.
- O delírio do sucesso absoluto: Quase todas as empresas de alto desempenho regridem com o tempo; a promessa de um modelo de sucesso duradouro é atraente, mas não é realista.
- O delírio do desempenho absoluto: O desempenho de uma empresa é relativo, não absoluto. Uma empresa pode melhorar e, ao mesmo tempo, ficar ainda mais atrás de seus concorrentes.
- O delírio da extremidade errada do bastão: Pode ser verdade que as empresas de sucesso muitas vezes tenham seguido uma estratégia altamente focada, mas isso não significa que estratégias altamente focadas costumam levar ao sucesso.
- O delírio da Física Organizacional: O desempenho de uma empresa não obedece a leis imutáveis da natureza e não pode ser previsto com precisão científica, apesar de nosso desejo por certeza e ordem.
Tudo isso parece desencorajador, mas não precisa ser. O fato é que o desempenho depender de tantos fatores fora do nosso controle não é motivo para desespero. E, felizmente, há muitos bons exemplos de gestores que veem o mundo com clareza e precisão, sem delírios. Eles não escrevem relatos autoelogiosos sobre carreiras vitoriosas, nem oferecem chavões sobre autenticidade, integridade e humildade, como isso, por mais importante que seja, garantisse o sucesso. Eles não se apegam a visões idealizadas do mundo dos negócios. Em vez disso, são gestores atentos que reconhecem que o sucesso vem da combinação de julgamento perspicaz, trabalho árduo e uma boa dose de sorte, e estão cientes de que em outras circunstâncias o resultado por ser diferente.
Nossa falta de capacidade em captar a complexidade total do ambiente competitivo por meio de experimentos científicos tem fornecido um material estimulante para alguns críticos das escolas de negócios. O modelo científico é baseado na hipótese falha de que negócios são uma disciplina acadêmica como as das ciências naturais, quando, na verdade, os negócios são uma profissão e as escolas de negócios são escolas profissionais – ou deveriam ser. Parece que se acredita que já que os negócios nunca serão compreendidos com a precisão das ciências naturais, é melhor entende-los como um tipo de ciência humana, um mundo no qual a lógica da pesquisa científica não se aplica. Bem, sim e não. Pode ser verdade que os negócios não podem ser estudados com o rigor da Física, mas não significa que tudo o que temos seja apenas sexto sentido e intuição. Não há necessidade de mudar de um extremo para outro. Afinal de contas, há muito espaço entre ciências naturais e ciências sociais. Podemos não ser capazes de adquirir cem empresas e realizar um experimento, mas podemos estudar as aquisições que já aconteceram e procurar padrões. Podemos examinar algumas variáveis fundamentais como o porte das empresas, o setor de atuação e os processos da cadeia de valor, e então ver quais levam aos melhores ou piores resultados. Essa abordagem, chamada de “quase experimentação”, é básica nas ciências sociais aplicadas. Talvez ela nunca alcance o ideal das ciências naturais, mas se aproxima muito de aplicar o espírito da pesquisa científica a algumas decisões fundamentais nos negócios.
Pensando nisso tudo, rasgamos cuidadosamente e guardamos a página com o autógrafo, e separamos para doação Vencendo a crise: Como o bom senso empresarial pode superá-la, de Thomas J. Peters e Robert H. Waterman Jr.; Feitas para durar: Práticas bem-sucedidas de empresas visionárias, de Jim Collins e Jerry I. Porras; Empresas feitas para vencer: Por que algumas empresas alcançam a excelência e outras não, de Jim Collins; e O que (realmente) funciona: As melhores práticas das empresas de sucesso, de William Joyce, Nitin Nohria e Bruce Roberson, livros que durante anos influenciaram nossas ideias sobre como fazer nosso trabalho de consultores e ajudar as empresas e as pessoas a alcançarem melhores resultados, facilitando o entendimento e a aplicação dos conceitos de administração em ambientes de negócios complexos.
Vamos recomendar aqui algo mais consistente para leitura, que, na nossa opinião, cremos que realmente pode fazer diferença na vida de consultores, gestores e empresas e são manuais reflexivos para gestores sobre pontos estratégicos de inflexão, momentos de risco extremo, quando a existência da empresa corre perigo e se faz necessária a profunda compreensão da dinâmica do setor de atuação, das mudanças tecnológicas e da necessidade de fazer apostas calculadas.
O guru da qualidade W. Edwards Deming defendeu eliminar o medo nas empresas. Consideramos essa afirmação insensata ou mal compreendida na época. O papel mais importante dos gestores é criar um ambiente em que as pessoas se dediquem intensamente a vencer no mercado. O medo tem um papel significativo em criar e manter essa dedicação. Medo da concorrência, da falência, de estar errado e de perder tudo são motivadores poderosos.
O impulso fundamental que põe e mantém o motor capitalista em movimento vem de novos consumidores e produtos, dos novos métodos de produção e logística, de novos mercados, de novas formas de organização industrial criada pela empresa capitalista.
Cada caso de estratégia de negócios adquire sua verdadeira importância apenas no contexto daquele processo e dentro da situação criada por ele. Então ele precisa ser visto em seu papel de turbilhão perene de destruição criativa; ele não pode ser entendido independentemente dele ou, de fato, sob a hipótese de que existe uma calmaria perene. A inovação é a força básica que conduz a concorrência do mercado em quase todos os setores, especialmente naqueles intensivos em conhecimento.
Os best-sellers de negócios normalmente não falam sobre medo. Não há lugar para o medo no mundo cor-de-rosa dos benchmarks de melhores práticas e um punhado de regras simples que leva a um sucesso previsível, independentemente do que se faça. O medo não oferece uma história para dormir reconfortante, mas agora sabe-se que esse tipo de confiança insensata é baseado em delírios e provavelmente não leva a melhores resultados.
Sempre haverá livros que tentam descobrir os elementos que separam as melhores empresas do resto e aconselham os gestores sobre o que fazer para levar suas empresas a grandes conquistas, juntar-se ao grupo dos excelentes, vitoriosos, de sucesso excepcional. Alguns serão bons, outros não. Os gestores continuarão a lê-los, ávidos por aprender novas ideias, descobrir novos métodos que possam aplicar. Isso não é apenas inevitável, mas saudável.
Nossa referência inicial à Física não é acidental. Entre todas as ciências, a Física é a mais elegante, o feito mais sublime do intelecto puro, a mais capaz de reduzir o funcionamento do universo a equações matemáticas simples, mas precisas. Os físicos teóricos estão acostumados ao sucesso da matemática na formulação das leis do universo e na explicação de suas consequências. De fato, o universo parece funcionar como um relógio. O motivo está no conceito de elegância de teorias físicas. Certas teorias e demonstrações matemáticas contêm um tipo específico de beleza capaz de extasiar um espírito que as saiba contemplar. E modelos científicos que não partilham dos elementos dessa peculiar estética chegam a ser desprezados pelos cientistas, apesar de o argumento último ser
sempre a concordância com os resultados de experimentos. Não é o mesmo tipo de ‘beleza visual’ que encontramos, digamos, em uma paisagem natural, mas pode ter algo em comum com a ‘beleza conceitual’ de uma obra de arte abstrata ou em uma música, que se faz notar pelos artifícios que o autor usou com maestria para chegar àquele resultado. Essa elegância e coerência lógica parece ser o sonho de consumo da Administração, mas não passa de um sonho.
Nossa ideia central é que o conceito de negócios é moldado por vários delírios. Esperamos que nossos colegas consultores e professores universitários, e gestores de nossos clientes leiam livros de negócios com mais senso crítico, temperando suas fantasias e esperanças mais profundas com um pouco de realismo, lembrando-se que:
- Se variáveis independentes não são medidas independentemente, talvez nos encontremos imersos em halos, a possibilidade de que a avaliação de uma variável possa interferir no julgamento sobre outras, contaminando o resultado geral. Este é considerado o erro de avaliação mais sério e mais difundido em todo o mundo.
- Se os dados estão repletos de halos, não importa quantos tenhamos coletado ou quanto nossa análise pareça ser sofisticada.
- O sucesso raramente dura tanto quanto gostaríamos. Em grande parte, o sucesso de longo prazo é um delírio baseado em seleções após os fatos.
- O desempenho de uma empresa é relativo, não absoluto. Uma empresa pode melhorar e retroceder mais ao mesmo tempo.
- Pode ser verdade que muitas empresas de sucesso fazem escolhas arriscadas, mas fazer essas escolhas nem sempre levam ao sucesso.
- Qualquer um que alegue ter encontrado as ‘Leis da Física dos Negócios’ entende pouco de negócios, pouco de Física, provavelmente de ambos. Parece que acreditar nesse Santo Graal da Administração é algo que conforta (ilusoriamente) os administradores.
- Procurar os segredos do sucesso revela pouco sobre o mundo dos negócios, mas diz muito sobre os seus pesquisadores, suas aspirações e seus desejos por certeza.
O que acontece quando eliminamos esses delírios? Quando se trata de gerir uma empresa para obter alto desempenho, um gestor sensato sabe que:
- Todas as boas estratégias envolvem riscos. Se você acha que a sua estratégia é à prova de erro, o errado pode ser você.
- A execução também é incerta, o que funciona em uma empresa com uma cultura organizacional e força de trabalho pode ter resultados diferentes em outra.
- Muitas vezes, o acaso desempenha um papel maior do que imaginamos, ou do que os gestores de sucesso gostam de admitir.
- O elo entre entradas e resultados é tênue. Resultados ruins nem sempre significam que os gestores cometeram erros; e resultados bons nem sempre significam que eles agiram com acerto.
- Mas, quando os dados são lançados, os melhores gestores agem como se o acaso fosse irrelevante: persistência e resiliência são tudo.
Tudo isso é garantia de sucesso? Claro que não! Mas acreditamos que aumentará a sua chance de sucesso, que é um problema muito mais sensato para buscar resolver.
Leituras Recomendadas
ARGYRIS. C. Maus conselhos, uma armadilha gerencial: Como distinguir os conselhos eficazes daqueles que não têm valor. Porto Alegre: Bookman, 2004.
BALDWIN, T.; BOMMER, B.; RUBIN, R. Gerenciando o comportamento organizacional: O que os gestores eficazes sabem e fazem. São Paulo: GEN Atlas, 2015.
GROVE, A. S. Gestão de alta performance: Tudo que um gestor precisa saber para gerenciar equipes e manter o foco nos resultados. São José dos Campos: Benvirá, 2020.
GROVE, A. S. Só os paranoicos sobrevivem. Lisboa: Gradiva, 2000.
MAGRETTA, J. O que é a gestão: Como funciona e porque interessa a todos. Lisboa: Actual: 2016.
MICKLETHWAIT, J.; WOOLDRIDGE, A. Os bruxos da administração: Como entender a babel dos gurus empresariais. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997.
SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, socialismo e democracia. São Paulo: Unesp, 2017.
SHAPIRO, E. C. A coragem de administrar: Como se livrar de mitos, modismos e gurus para alcançar resultados lucrativos. Rio de Janeiro: Elsevier, 1999.
STEWART. M. Desmascarando a administração: As verdades e as mentiras que os gurus contam e as consequências para o seu negócio. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
TALEB, N. N. Antifrágil: Coisas que se beneficiam com o caos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2020.
WOOLDRIDGE, A. Os senhores da gestão: Como os gurus de negócios e suas ideias mudaram o mundo para melhor (ou pior). Rio de Janeiro: Elsevier, 2012
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