Conheça o método de negociação por princípios desenvolvido pelo Harvard Negotiation Project, que sugere que devemos procurar por ganhos mútuos sempre que possível
Por mais que possa parecer, este post não tem como foco falar com pessoas apenas das áreas comerciais. Goste ou não, você é um negociador. Uma negociação é um fato cotidiano: você discute um aumento com o seu chefe, negocia o preço de um carro, debate o local do jantar.
Negociar é basicamente conseguir o que você quer do outro. Mesmo tendo a negociação como algo rotineiro, estratégias tradicionais geralmente deixam as pessoas insatisfeitas, esgotadas ou resignadas. Frequentemente, todas as opções anteriores.
Isso acontece pois vemos duas formas de negociar: suave ou rígida. Quem opta pelo modelo mais ameno, o faz para evitar conflitos pessoais, mas acaba tendo que fazer muitas concessões para atingir um acordo. Já os adeptos ao discurso mais duro e de embate veem todas as situações como uma disputa de vontades, em que o lado com posições mais extremas vence.
Foi com essa percepção que trouxe para o blog o método de negociação por princípios desenvolvido pelo Harvard Negotiation Project, que sugere que devemos procurar por ganhos mútuos sempre que possível. O princípio é ser duro nos méritos da negociação, mas suave com pessoas.
Como gerente de Partner Marketing na Resultados Digitais, passei a perceber que uma boa parte do meu trabalho envolvia negociar. Fosse para conseguir recursos para um projeto, discutir possibilidades de melhorias para minha área ou mesmo defender uma ideia que considerava importante implementar.
E, com isso, me veio a questão: negociar é um dom ou pode ser algo possível de aprender? Aproveitei que tiraria férias nos Estados Unidos e decidi ir em busca de um curso que trouxesse mais insumos para resolver esse desafio. Com a ajuda do meu líder na época, Guilherme Lopes, vimos que o curso de Skills de Negociação em Harvard seria algo que poderia realmente trazer bons aprendizados.
Esse post é para, justamente, compartilhar um pouco desse conhecimento que trouxe de Harvard, e também com estudos que fiz depois sobre o Harvard Negotiation Project, projeto que foi a base para o curso que fiz por lá. Fiz uma junção da metodologia ensinada no curso com a base teórica do livro “Getting to Yes”, de Roger Fisher e William Ury, trabalho também feito em Harvard e que virou best seller no mundo todo.
Framework de negociação
O curso de negociação em Harvard é embasado em sete elementos e em muitas dinâmicas que simulam o mundo real. Trouxe um pouco do conceito de cada elemento, e como aplicá-los no dia a dia de trabalho e fora dele também.
1. Alternativas: O que você vai fazer se você não tiver o que você quer?
Uma das frases mais importantes que escutei no curso foi a seguinte:
“Não tenha tanta certeza sobre algo que impeça você de aceitar algo ainda melhor”.
É comum, em estratégias de negociação, irmos em busca de trabalhar com um conceito de linha de corte, ou “menos que isso eu não aceito”. Ao definirmos qual é o pior resultado aceitável, podemos correr um grande risco de aceitar algo pior que fazer acordo nenhum.
Para um comprador, a linha de corte é o valor máximo que se está disposto a pagar. Já para um vendedor, a linha é o menor valor que aceita receber. A ideia de ter esse limitador é resistir à pressão e à tentação de tomar uma decisão precipitada, mas essa estratégia pode custar caro.
Ao definir uma linha de corte, você está definindo uma posição que não pode ser mudada, ou seja, algo rígido. Portanto, nada do que possa ser dito pela outra parte pode causar mudanças nessa decisão. Ao adotar essa posição, pode-se até ter uma certa proteção de aceitar um acordo ruim, mas também pode limitar soluções ainda melhores.
A partir de agora, vou usar o conceito de BATNA. É a sigla para Best Alternative To a Negotiated Agreement (melhor alternativa a um acordo negociado, em português). Para isso, vamos imaginar o caso da venda de uma casa.
Ao invés de perguntar qual o mínimo aceitável para vendê-la, a pergunta seria:
“O que você vai fazer se depois de um certo tempo ela não for vendida?”.
Você vai mantê-la no mercado indefinidamente? Vai alugá-la? Derrubá-la? Transformar em um estacionamento? Deixar alguém morar de graça desde que reformem? Qual dessas alternativas é mais atrativa? E como elas se comparam a melhor oferta recebida pelo imóvel?
A razão pela qual nós negociamos é para produzir algo melhor que o resultado obtido se não houvesse uma negociação. Ou seja, quais os resultados esperados? Essa é a ideia de definir seu BATNA: ter uma forma de mensurar se o acordo feito é melhor do que se não existisse acordo algum.
O maior problema de não definir seu BATNA é negociar de olhos fechados. Por exemplo, se o aumento de salário esperado não vier, as alternativas são: mudar para outro país, voltar para a cidade natal, recomeçar os estudos, escrever ou viajar para Paris. No geral, tende-se a somar essas alternativas e vê-las como muito melhores que continuar em um trabalho com o salário atual. O problema é que não se pode ter os benefícios de todas essas alternativas juntas: se não houver o aumento, terá que escolher apenas uma.
Quanto melhor e mais definido for o BATNA, maior o poder de negociação. Ao chegar em uma entrevista de emprego sem outra oferta em mãos, o nível de confiança tende a ser menor. Aquela oportunidade será tudo ou nada.
Agora imagine ir a essa entrevista com outra proposta na mesa. A diferença é o poder que se tem em mãos. Uma exploração aprofundada do que será feito se não alcançar um acordo pode dar ainda mais força para atingir uma negociação favorável.
Para construir o BATNA, invista em três ações:
Faça uma lista de ações que você consideraria tomar se um acordo não for atingido;
Melhore algumas das ideias mais promissoras e converta em alternativas práticas;
Selecione a alternativa que pareça o melhor plano para seguir.
Definição de Sucesso: Esse acordo é melhor que o seu BATNA?
2. Interesses – Por que as partes querem o que elas querem?
Nas negociações as pessoas tendem a negociar por posições, ou seja, cada lado toma uma posição, discute por isso, e faz concessões para atingir um acordo.
Exemplo:
Comprador: Quanto você quer por esse vaso?
Vendedor: Esta é uma bela antiguidade. Eu acredito que posso deixar ela por $75.
C: Vamos lá, está até amassado. Eu te dou $15.
V: Eu posso até considerar quando você fizer uma oferta séria, mas $15 não é uma oferta séria.
C: Eu posso chegar em $20, mas eu nunca pagarei nada perto de $75. Me passe um preço realista.
V:Você é difícil de barganhar, faço por $60 no dinheiro agora.
C: $25
V: Custou mais que isso para adquirir. Faça uma oferta séria.
C: $37,50. Esse é o mais alto que eu vou.
V: Você notou os detalhes do vaso? Ano que vem peças como essa vão valer duas vezes mais do que você está pagando hoje.
O mais comum nas negociações como essas é o trabalho de ficar concedendo e dando uma sequência de posicionamentos. Ao tomar uma posição, passamos a nos vermos como essas escolhas, colocamos nosso ego.
Quanto mais nós reafirmamos e nos defendemos de ataques, mais comprometido estamos. Quanto mais tentamos convencer o outro lado da impossibilidade de mudar a posição, mais difícil se torna realmente mudá-la. O ser humano tem por base querer manter a sua palavra.
Quanto mais extrema é a posição e menores são as concessões, mais tempo e esforço será necessário para descobrir se um acordo será viável. Além disso, negociar por posição torna-se uma disputa de vontades. “Eu não vou abrir mão. Se você quer ir ao cinema comigo, será Avatar ou nada”.
Definição de Sucesso: Esse acordo satisfaz os interesses de ambos?
Um exemplo que demonstra como é negociar por posição e não por interesse:
Duas crianças estão brigando por uma laranja. Depois de muito negociarem, decidem cortar a laranja ao meio e cada uma fica com metade. A primeira criança pega a sua metade, tira a casca, joga fora e come a fruta. Já a segunda tira a casca, joga a fruta fora e usa a casca para fazer um bolo.
O fato de se posicionarem e quererem a laranja as impediu de entender os interesses reais. As duas ganharam menos que poderiam ter recebido. Trago aqui novamente a frase do começo do post: “não tenha tanta certeza sobre algo que impeça você de aceitar algo ainda melhor”.
3. Opções – Todas as formas que um acordo pode ser estruturado
A skill de inventar e pensar em opções diferentes é uma das mais úteis que um negociador pode ter. Em uma disputa, tendemos a acreditar que sabemos a melhor resposta e que existe um ponto de vista correto: o nosso.
Um bom produtor de vinhos faz os melhores vinhos de uma grande variedade de uvas. Um olheiro de futebol procura por jogadores em vários clubes. O mesmo princípio pode ser usado em negociação: uma decisão sábia vem de uma seleção de um grande número de variedades e opções.
Um dos maiores obstáculos na hora de pensar em opções vem de julgamentos prematuros, da busca por uma resposta única e da ideia de uma solução imutável. Investir em opções variadas e criativas é um dos caminhos que melhor pode resolver esses problemas, além de trabalhar com ganho mútuos.
Quando falamos sobre opções uma ferramenta que ajuda é o brainstorming prévio ao momento da negociação. Ou mesmo, utilizar uma linguagem que incentive o ambiente a ir em busca dessas respostas. Alguns exemplos de abordagens voltadas a opções:
Uma opção que temos é X, que outras opções você pensou?
E se nós concordarmos com essa opção?
Que tal se fizermos desse jeito?
Como isso iria funcionar?
O que teria de errado com isso?
Definição de Sucesso: Esse é o melhor acordo possível? O resultado poderia ser melhorado para uma ou duas partes? Pense em todas os caminhos para solucionar uma negociação.
Curva de Pareto – Essas são as melhores opções que se tem em uma negociação. Para atingir resultados mais satisfatórios é necessário gastar muito tempo para um benefício não tão significativo.
4. Critérios – Padrões que ajudam as partes a avaliarem quais opções são justas
Mesmo que se tenha conhecimento dos interesses da outra parte, que existam boas alternativas, ou que se dê valor ao relacionamento em jogo, o conflito de visões sempre fará parte de uma negociação. É nesse contexto que surge a necessidade de serem definidos critérios claros e justos para se tomar uma decisão.
Quanto mais padrões de equidade, eficiência, ou critérios científicos forem trazidos para solucionar um problema, mais facilmente um resultado mais interessante poderá ser alcançado.
Torna-se muito mais fácil de negociar quando uma discussão tem por base padrões a serem seguidos, ao invés de se definir uma posição baseada em vontades e comparativos próprios.
Qualquer método de negociação utilizado tem sempre um melhor resultado quando existe uma preparação prévia. Por isso, é aconselhável buscar algumas alternativas padrões que possam ser aplicadas em diferentes situações. Para definir critérios claros para chegar em um acordo, podem-se usar:
Valor de mercado
Precedentes
Estudo científicos
Padrões profissionais
Custos
O que a justiça definiu
Padrões morais
Tratamentos iguais
Tradição
Reciprocidade
O mínimo para um critério ser objetivo é que ele seja independente das vontades de ambos lados, legítimo e prático. Um padrão justo pode ser atingido se seguirmos o seguinte pensamento: se duas crianças querem dividir um pedaço de bolo, a forma de termos a divisão mais justa é uma cortar e a outra escolher. Nenhuma das duas pode reclamar do resultado.
Definição de Sucesso: Essa negociação é justa? Ela está baseada em critérios objetivos?
5. Comunicação – O processo que vamos usar para trocar informações
Tenha em mente que, em qualquer situação de negociação, levar em conta a forma com que você se comunica e expressa pode ser a chave para o sucesso. Antes de começar qualquer conversa, seja ela cara a cara ou por escrito avalie como ela vai acontecer:
Fala: rápida ou pausada?
Formalidade: alta ou baixa?
Proximidade ao falar: próximo ou distante?
Acordo oral ou por escrito: qual é mais forte?
Franqueza na comunicação: direta ou indireta?
Prazo: curto prazo ou longo prazo?
Escopo do relacionamento: negócios ou pessoal?
Local para negociar: privado ou público?
Quem negocia: mesmo nível de status ou a pessoa mais competente para negociar?
Rigidez do compromisso: escrito em pedra ou flexível?
Definição de Sucesso: A informação foi trocada de forma eficiente e efetiva?
6. Relacionamento – O nível de confiança entre as partes
Um fato básico sobre negociação é que não se está lidando com uma representatividade abstrata do “outro lado”, mas com um ser humano – e nós somos imprevisíveis. Um relacionamento em que confiança, respeito e amizade são construídos pode fazer com que cada nova negociação seja mais suave e mais eficiente.
Lembre-se que egos são fáceis de se sentirem ameaçados. Em qualquer ponto de uma negociação, da preparação ao follow-up, pergunte a si mesmo: “eu estou prestando atenção suficiente ao problema da pessoa?”.
Nós estamos inclinados a tratar pessoas e problemas como uma mesma coisa. Frases como “a casa está uma bagunça” ou “nossa conta de banco está vazia”, que poderiam ser a identificação de um problema, tendem a parecer um ataque pessoal.
Quando a negociação se baseia na posição, o relacionamento se torna conflitante. Pois, nesse caso, a posição é uma declaração de como eu quero que a negociação acabe. A solução não é dar concessões maiores, mas mudar a forma de tratar as pessoas envolvidas.
Definição de Sucesso: O relacionamento entre as partes ficou melhor ou pior após a negociação
7. Comprometimento – Como você fechou o negócio
Antes mesmo de começar a negociar, é importante visualizar como um acordo de sucesso pode parecer ao final. Essa tática auxilia a pensar com quais problemas será necessário lidar e o que será preciso para resolvê-los.
Um bom exercício é responder algumas perguntas. Como a outra parte vai explicar e justificar o acordo para os outros interessados/impactados? Como você vai fazer o mesmo? Qual resultado vai permitir que os dois possam fazer isso da melhor forma possível?
Considere ter um modelo de framework para o acordo. Um documento que tenha os objetivos e quais os termos definidos para resolver o problema. Em outros casos, também pode-se trabalhar com uma lista com os tópicos negociados para evitar que pontos importantes sejam deixados de lado.
Definição de sucesso: O acordo final é claro e operacional?
Conclusão
Existem alguns pontos principais que eu gostaria que você levasse deste post. O primeiro deles é sempre separar as pessoas do problema. É importante, também, focar nos interesses e não nas posições em uma negociação.
Além disso, pense em opções com ganhos mútuos, reforçando relacionamentos. Por fim, insista em usar critérios objetivos. Fazendo tudo isso, tenho certeza que você realizará negociações melhores e com melhores resultados.
Ah, e lembre-se: “não tenha tanta certeza sobre algo que impeça você de aceitar algo ainda melhor”.
Este site informa: usamos cookies para personalizar anúncios e melhorar a sua experiência no site. Ao continuar navegando, você concorda com a nossa Política de Privacidade.